segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Prefácio das Infâncias

Descobri Manuel de Barros faz poucos meses. Mas em alguns minutos percebi que aquele seria um dos meus autores preferidos. Ele tem a genialidade na simplicidade. Mas é assustador o quão pouco existe do poeta na internet e nas livrarias. Consegui a obra completa através de uma editora portuguesa, então dá pra imaginar o descaso. Isso muito se deve ao próprio autor que foge da mídia como bicho arisco. 
Penso que os autores não devem ser lidos e admirados apenas depois de morrer. Acontece muito isso no Brasil e para, ao menos, dar uma idéia da genialidade do autor, resolvi publicar pausadamente suas "autobiografias poéticas" chamadas de A Infância, Segunda e Terceira infância. São livros de maturidade, onde Manuel consegue uma síntese expressiva "doloridamente" bela, como ele poderia dizer. Segue o prefácio das três infâncias:




MANUEL DE BARROS


Memórias Inventadas
A Infância


Tudo que não invento é falso.


Eu tenho um ermo enorme dentro do olho. Por motivo do ermo não fui um menino peralta. Agora tenho saudade do que não fui. Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância. Faço outro tipo de peraltagem. Quando era criança eu deveria pular muro do vizinho para catar goiaba. Mas não havia vizinho. Em vez de peraltagem eu fazia solidão. Brincava de fingir que pedra era lagarto. Que lata era navio. Que sabugo era um serzinho mal resolvido e igual a um filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comuhão com as coisas que comparação.
Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a vizão comungante e oblíqua das coisas. Eu sei dizer sem puder que o escuro me ilumina. É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor. Eu tenho que essa visão oblíqua das coisas vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia tranfusão da natureza e comunhão com ela. Era o menino e os bichinhos. Era o menino e o sol. O menino e o rio. Era o menino e as árvores.

Um comentário:

  1. sou aluna do curso de pedagogia e sou bolsista em um projeto de extensão que estuda o Manoel de Barros gostaria de mais poemas ele é otimo suas colocações são esplêndidas

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