Nas férias toda tarde eu via a lesma no quintal. Era a mesma lesma.
Eu via toda tarde a mesma lesma se despregar de sua concha, no
quintal, e subir na pedra. E ela me parecia viciada. A lesma ficava
pregada na pedra, nua de gosto. Ela possuíra a pedra? Ou seria
possuída? Era era pervertido naquele espetáculo. E se eu fosse um
voyeur no quintal, sem binóculos? Podia ser. Mas eu nunca neguei para
os meus pais que eu gostava de ver a lesma se entregar à pedra. (pode
ser que eu esteja empregando erradamente o verbo entregar, em vez
de subir. Pode ser. Mas ao fim não dará na mesma?) Nunca escondi
aquele meu delírio erótico. Nunca escondi de meus pais aquele gosto
supremo de ver. Dava a impressão que havia uma troca voraz entre a
lesma e a pedra. Confesso, aliás, que eu gostava muito, a esse tempo,
de todos os seres que andavam a esfregar as barrigas no chão. Lagartixas
fossem muito principais do que as lesmas nesse ponto. Eram esses
pequenos seres que viviam as gosto do chão que me davam fascínio.
Eu não via nenhum espetáculo mais edificante do que pertencer do
chão. Para mim esses pequenos seres tinham o privilégio de ouvir as
fontes da terra.
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