Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos:
Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que
eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu.
Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de
palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava sério.
Mas todo-mundo riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer
de uma informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a
beleza nas palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento
de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: Disilimina
esse, Cabeludinho. Eu não disiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo
trouxe um perfume de poesia à nossa quadra. Aprendi nessas férias a
brincar de palavras mais do que trabalhar com elas. Comecei a não
gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar.
Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo
que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade:
Ai morena, não me escreve / que eu não sei a ler. Aquele a preposto ao
verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.
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