A gente morava no patrimônio de Pedra Lisa. Pedra Lisa era um
arruado de 13 casas e o rio por detrás. Pelo arruado passavam comitivas
de boiadeiros e muitos andarilhos. Meu avô botou uma Venda no
arruado. Vendia toucinho, freios, arroz, rapadura e tais. Os mantimentos
que os boiadeiros compravam de passagem. Atrás da Venda estava o rio.
E uma pedra que aflorava no meio do rio. Meu avô, de tardezinha, ia
lavar a pedra onde as garças pousavam e cacaravam. Na pedra não
crescia nem musgo. Porque o cuspe das garças tem um ácido que mata
no nascedouro qualquer espécie de planta. Meu avô ganhou o desnome
de Lavador de Pedra. Porque toda tarde ele ia lavar aquela pedra.
A Venda ficou no tempo abandonada. Que nem uma cama ficasse
abandonada. É que os boiadeiros agora faziam atalhos por outras
estradas. A Venda ficou por isso no abandono de morrer. Pelo arruado
só passavam agora os andarilhos. E os andarilhos paravam sempre para
uma prosa com o meu avô. E para dividir a vianda que a mãe mandava
para ele. Agora o avô morava na porta da Venda, debaixo de um pé de
jatobá. Dali ele via os meninos rodando arcos de barril ao modo que
bicicleta. Via os meninos em cavalo-de-pau correndo ao modo que
montados em ema. Via os meninos que jogavam bola de meia ao modo
que de couro. E corriam velozes pelo arruado ao modo que tivessem
comido canela de cachorro. Tudo isso mais os passarinhos e os
andarilhos era a paisagem do meu avô. Chegou que ele disse uma vez:
Os andarilhos, as crianças e os passarinhos têm dom de ser poesia.
Dom de ser poesia é muito bom!
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