segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Infância - Sobre sucatas

Isto porque a gente foi criada em lugar onde não tinha brinquedo
fabricado. Isto porque a gente havia que fabricar os nossos brinquedos:
eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis de lata. Também a
gente fazia de conta que sapo é boi de cela e viajava de sapo. Outra era
ouvir nas conchas as origens do mundo. Estranhei muito quando, mais
tarde, precisei de morar na cidade. Na cidade, um dia, contei para
minha mãe que vira na Praça um homem montado no cavalo de pedra a
mostrar uma faca comprida para o alto. Minha mãe corrigiu que não era
uma faca, era uma espada. E que o homem era um herói da nossa
história. Claro que eu não tinha educação de cidade para saber que
herói era um homem sentado num cavalo de pedra. Eles eram pessoas
antigas da história que algum dia defenderam a nossa Pátria. Para mim
aqueles homens em cima da pedra eram sucata. Seriam sucata da
história. Porque eu achava que uma vez no vento esses homens seriam
como trastes, como qualquer pedaço de camisa nos ventos. Eu me
lembrava dos espantalhos vestidos com as minhas camisas. O mundo era
um pedaço complicado para o menino que viera da roça. Não vi
nenhuma coisa mais bonita na cidade do que um passarinho. Vi que
tudo o que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel. Só o
que não vira sucata é ave, árvore, rã, pedra. Até nave espacial vira sucata.
Agora eu penso uma garça branca de brejo ser mais linda que uma nave
espacial. Peço desculpas por cometer essa verdade.

4 comentários:

  1. Este texto é muito lindo. Muito oportuno. Ainda mais agora que trabalharei memórias literárias, na Olimpíada de Língua Portuguesa.

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  2. Texto maravilhoso... Atualíssimo e cheio de poesia!

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  3. Muito bom o texto fiz o meu dever usando ele 😉

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