sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A Infância - Latas

Estas latas têm que perder, por primeiro, todos os ranços (e artifícios)
da indústria que as produziu. Segundamente, elas têm que adoecer na
terra. Adoecer de ferrugem e casca. Finalmente, só depois de trinta e
quatro anos elas merecerão de ser chão. Esse desmanche em natureza é
doloroso e necessário se elas quiserem fazer parte da sociedade dos
vermes. Depois desse desmanche em natureza, as latas podem até
namorar com as borboletas. Isso é muito comum. Diferentes de nós as
com o tempo rejuvenescem, se jogadas na terra. Chegam quase até
de serem pousadas de caracóis. Elas sabem, as latas, que precisam
chegar ao estágio de uma parede suja. Só assim serão procuradas pelos
caracóis. Sabem muito bem, estas latas, que precisam da intimidade com
o lodo obsceno das moscas. Ainda elas precisam de pensar em ter raízes.
Para que possam obter estames e pistilos. A fim de que um dia elas
possam se oferecer às abelhas. Elas precisam de ser um ensaio de árvore
a fim de comungar a natureza. O destino das latas pode também ser
pedra. Elas hão de ser cobertas de limo e musgo. As latas precisam
ganhar o prêmio de dar flores. Elas têm de participar dos passarinhos.
Eu sempre desejei que as minhas latas tivessem aptidão para
passarinhos. Como os rios têm, como as árvores têm. Elas ficam muito
orgulhosas quando passam do estágio de chutadas nas ruas para o
estágio de poesia. Acho esse orgulho das latas muito justificável e até
louvável.

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